NADA MELHOR DO QUE UM VERÃO ATRÁS DO OUTRO

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Posted by Ciro Bezerra | Posted on quinta-feira, 10 de janeiro de 2008


*Augusto Lessa

No Verão de 1942, Herman Raucher era um ingênuo adolescente em Nantucket, uma ilha no estado de Massachusetts, Estados Unidos. Hermie, Oscie e Benjie têm praticamente a mesma idade, entre quatorze e quinze anos. Férias escolares e verão, nos Estados Unidos confundem-se. É um período especialmente rico de experiências, principalmente para os jovens norte-americanos. Qualquer local do mundo que possua as quatro estações sabe o que significa a chegada do verão.

Hermie, Oscie e Benjie entram de férias em Nantucket, coisinha provinciana, sem atrativos maiores do que o mar, as dunas, principalmente nos anos quarenta. A guerra era o grande assunto e terror em todo o mundo. Os três amigos, indiferentes a tudo isso, procuram diversão nos menores detalhes, nas coisas mais simples, num universo limitado.

Numa de suas saídas os três dão de cara com uma belíssima mulher de aproximadamente vinte e cinco anos e seu marido. Hermie, como todo adolescente heterossexual, apaixona-se por Dorothy. Para seu alivio, vê o marido partir para a guerra. A partir desse momento, Hermie força todas as barras para encontrar-se com Dorothy. Ela, belíssima e simpática, corresponde ao afeto do menino. Hermie entra no paraíso.

Dorothy, num rasgo de bondade, convida Hermie para um jantar em sua casa, numa noite de verão. O garoto, afogueado pela paixão, veste sua melhor roupa e corre para encontrar-se com Dorothy em sua casa de beira de praia. Chegando, encontra apenas uma sala vazia, onde uma eletrola (sim, isso existiu!) roda um disco de cera com a agulha repetindo a nota final de uma canção.

Dorothy sai do quarto, descalça, em roupas simples, quase insinuantes, o rosto lavado por lágrimas e um sorriso magnificamente triste nos lábios. Por um telegrama da Western Union, seu marido havia sido morto nas ações de guerra. Ao som da música reposta na eletrola, ela puxa Hermie para seus braços e, depois de uma dança dolorosamente lenta, os dois vão para a cama e se amam. Sim, sexo! No dia seguinte, Hermie procura Dorothy, a bela mulher de vinte e cinco anos. A casa está fechada e há um bilhete de adeus para ele, enfiado numa fresta de janela.

Foi assim o verão de quarenta e dois para Herman Raucher, Hermie, o roteirista que escreveu a história para o fascinante Summer of '42 de Robert Mulligan.

Pronto. Isso não era uma história policial na qual Dorothy teria seduzido um menino de quatorze anos, Hermie, e seria presa em seguida. E todos nos divertiríamos chamando a moça de tarada.

Summer of '42, ou "Houve uma Vez um Verão", foi um dos filmes mais vistos, mais queridos e mais premiados do começo dos anos setenta. Ele é precisamente de 1971. Mulligan convidou o maestro Michael Legrand para escrever a trilha sonora do filme. Legrand me contou (sim, Ele me contou!) que criou a melodia temática do filme, transformada em sucesso pelos maiores cantores e melhores orquestras de todo o mundo, num vôo entre Paris e Nova Iorque, lendo o roteiro.

Por esse tema (Trilha Sonora) o filme ganhou o Oscar 72. Foi indicado para mais três categorias. Ganhou o Troféu Concha de Prata na Espanha. A União de Editores da América lhe deu o prêmio maior.

O filme é a verdadeira história do seu roteirista Herman Raucher, as recordações do seu primeiro momento de sexo, sua sublime descoberta nos braços de uma mulher belíssima. Sem trocadilhos: a soma do amor de um menino e do ardor na dor de uma mulher tocada pela amargura. Encontro e perda, amor e dor, Tanatos e Eros, ritual de passagem entre inocência perdida e assunção de um novo caráter de vida. Uma história de seres humanos sem espaço para moralismos imbecis.

Hermie era só um menino. Dorothy era uma mulher experiente de mais de vinte e cinco anos. E daí? Houve uma Vez um Verão, ou Summer of '42, é uma história comovente e profundamente verdadeira porque conta como são complexos os seres humanos, como seus sentimentos não são matéria para jornalismo vagabundo, sensacionalista ou moralismos impostos por psicopatas enrustidos. Nossos sentimentos não se podem medir por essa pasteurização que a "nova moral" obscena, limitada, mesquinha, vulgar que todo início de milênio instaurou.

Escrevo isso depois de ler que um "menininho" de quatorze anos foi "seduzido" por uma "malvada" professora de vinte e cinco anos, nos Estados Unidos. E o mundo todo caiu de pau em cima da moça. Na verdade, não conheço bem os fatos desse caso. Mas, mesmo cometendo a leviandade de "não apurar os fatos", peço às pessoas que façam as devidas diferenças em seus julgamentos. Uma coisa é sair por aí perseguindo criançinhas pelas ruas de países de terceiro mundo, como este, pervertendo-as e pagando um real por sexo, forçado ou consentido. Outra é entender que o ser humano não é mais o mesmo dos códigos morais, penais e civis dos nossos bisavôs.

Nós mesmos, de comunicação, passamos o dia todo esfregando sexo virtual da pior espécie na cara de crianças, em filmes, novelas, musicas e seriados apatetados, sem o menor escrúpulo. Como queremos agora usar o farisaísmo imundo da nossa indignação diante de uma moça de vinte e cinco anos na cama com um cavalão de quatorze anos? E aí? Por que não proibirmos o Summer of '42 por obscenidade, atentado contra o sagrado Código de Defesa da Criança e do Adolescente? Ora, vá...


*Augusto Lessa é produtor na TV Estação Canal 14/Recife

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