A sagração da bandidagem

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Posted by Ciro Bezerra | Posted on quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

*Augusto Lessa

Patrícia Cazé compareceu à noite de autógrafos do novo livro de Nelson Mota. Não sei quem diabos é Patrícia Cazé, mas foi um jeito que tive de começar a falar aqui sobre esse novo livro. Pra quem não conhece, Nelson Mota é jornalista, compositor, produtor artístico, empresário, biriteiro moderado e mulherengo talentoso. Grande amigo dos amigos, pouquíssimos inimigos, e uma das figuras mais low-profile deste país.

O livro é “Vale Tudo – o Som e a Fúria de Tim Maia”. Não creio que Nelson Mota tenha querido mostrar erudição, não é do seu feitio. Mas não tenho a menor idéia de por que usar o título do melhor livro de Faulkner (The Sound and the Fury) como subtítulo para uma biografia de Tim Maia. Não me lembro de nenhum cantor arruaceiro, drogado, alcoólatra, trambiqueiro, irresponsável no romance citado. Mas chega de me fazer de doido. O Som e a Fúria de Nelson Mota é bem diferente daquele de William Faulkner, por motivos bem claros. Faulkner era gênio, Nelson uma pessoa boa. Os personagens de “O Som e a Fúria” são grandiosos. Tim Maia era tudo aquilo acima referido e mais (ou menos) um compositor e cantor popular, cuja vidinha só rende livro com essa estatura de lançamento em países “modernos”. O diabo é que somos todos modernos. Do primeiro ao quinto mundo – aqui! – Britney Spears e toda a sua troupe ordinária são os pontífices de uma cultura sem lixeira para a reciclagem.

São famosos? São sim. Inegavelmente famosos. Lamentavelmente famosos.

Diariamente esses “ídolos” são enquadrados em jaulas internacionais por consumo e porte de drogas, direção irresponsável, pequenos furtos. Crimes, enfim. Nem contravenção passa em branco onde ética e moral não são “coisas sacais” ou relatividades jurídicas. Daqui de nosso tamborete achamos que os outros países levam esses vagabundos na brincadeira. Ilusão de invertebrados. Quando um bandido pop star é preso e julgado lá fora, a coisa é feita com o mesmo rigor que se usa aqui para prender e espancar ladrões de galinhas – os únicos que conhecem de verdade nosso sistema penitenciário.

Tim Maia não chegou a esse nível de punição porque o um esquema habilmente montado por empresários safados protege artistas como se fossem imaculadas vestais. Há cavilosos baianos atestado sua imbecilidade citando Barthes e Foucault para justificar o delito de “artistas”. Um complô tão astucioso que fez até Ministro. E da Cultura. Verdade. Vocês sabem.

Nelson Mota tem todo o direito de escrever sobre quem bem entender. Tem igualmente o direito de publicar na hora em que quiser. O leitor também tem o direito de colocar qualquer livro que queira no topo de uma lista de best-sellers. Mas eu também tenho o direito de dizer que o livro, mesmo escrito habilmente, trata de uma figurinha inexpressiva musicalmente, salva para a “eternidade” por uma morte precoce e, geralmente, trágica, como os Cazuzas, os Russos e os Seixas, e quase se limita a avaliar a bandidagem de Tim Maia, glorificando-o.

Não dá pra ver já que perdemos a graça? Não dá pra ver que a lei da picaretagem, a cultura do engodo, o populismo cultural, o lava-pés de incompetentes já foi longe demais? Que só os pertencentes à tríade oligofrênica divertem-se com isso?

Não somos sérios e adoramos ser assim. Somos safados e cultivamos isso. Possuímos moluscos passando-se por potentados e morremos de rir. As camisetas da moçada ainda estampam a imagem dos obscenos Guevara e Bob Marley. Dá licença! A macaquice que usamos para nos comunicarmos com o resto do mundo tem de fazer valer um mínimo dos três trilhões de neurônios que possuímos (dizem que todos nós. Todos? Certeza?).

Somos contadores de história natos, pré-históricos, ou não seríamos a civilização que somos. Então, vamos contar histórias. Mas, endeusarmos publicamente estampinhas de vagabundos com embalagem de super-heróis é o pior que podemos fazer num país que tem um dos piores índices de escolaridade do mundo. Um país culturalmente nulo, em todas as avaliações da palavra cultura. Todas.

Os meninos do Brasil estão equivocados, como um dia eu estive pelas idéias muitas vezes estúpidas da realidade dos meus pais. A diferença é que não desejo passar para os meus meninos os mesmos equívocos que me dominaram muitas vezes. Que me tornaram muitas vezes amargo, muitas vezes estúpido, muitas vezes vil, muitas vezes preconceituoso e servo de uma cambada intelectual que só visava, como bem mostra a atual constituição do poder brasileiro, ao lucro próprio, egoísta, hipócrita, desonesto, corrupto e banal.

Camiseta com foto no meu peito? Nem da minha mãe.

P.S.: Patrícia Cazé é parenta de Regina Cazé. Aquela que acha que vagabundo sempre tem algo criativo, favelado é lindo e a periferia vai modificar o conceito ocidental de arte. Tristes Trópicos.

Augusto Lessa
Produtor de Rádio e TV

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