O amigo oculto

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Posted by Ciro Bezerra | Posted on domingo, 9 de dezembro de 2007


O ano era 1072 d.C. Nas gélidas terras da Escandinávia, uma brigada de soldados vikings se encontrava entrincheirada, aguardando, a qualquer momento, uma investida do exército inimigo. Em meio à escassez do rigoroso inverno, famintos e cansados, tudo o que conseguiram encontrar para lhes servir de alimento foi uma pequena presa, capaz de saciar apenas um dentre os dez homens.

Talvez sugeridos pelo efeito do "ARVAK" - um destilado semelhante à vodca - consumido em grandes quantidades para espantar o frio, ou apenas procurando um meio de aliviar o tédio e a permanente tensão, esses guerreiros nórdicos inventaram um novo - e para eles - divertido critério que pudesse determinar quem iria comer o porco selvagem: o comandante da tropa escolheria um colega para descrever, nos mínimos detalhes, e caberia aos demais adivinhar de quem se tratava. Aquele que errasse o palpite receberia um soco na cara de quem estivesse à sua esquerda. O soldado que descobrisse o nome mantido em segredo comeria o porco, mas, se o colega descrito acertasse o próprio nome,
deveria matar o homem que propôs o desafio. Nessa noite nascia o amigo oculto, que, felizmente, no decorrer dos séculos, teve suas regras reformuladas.

Ta bom, a história é invenção, mas eu sou a prova viva de que muitas vezes essa descontraída e aparentemente inofensiva brincadeira, ainda nos dias de hoje, pode acabar muito mal. Ah, o amigo oculto... Como seriam os finais de ano sem a tradicional possibilidade de ser constrangido em público, de receber um presente muito pior do que se deu e ainda perder um amigo?

Por que, dentre tantos colegas queridos, sempre escolhemos os papeizinhos em que estão escritos os nomes daqueles de quem menos gostamos ou com os quais não possuímos nenhuma afinidade? Pior ainda é quando somos sorteados por alguém que não nos conhece. No momento de ter o nome revelado para o grupo é claro que contamos com aquela rasgação de seda, faz parte, para levantar a moral e sair da festa se sentindo queridão.

O mínimo que se espera é uma descrição que realce nossas qualidades únicas e arranque palmas e lágrimas da platéia. Mas o discurso pode muito bem ser aquele manjado: "a pessoa que eu tirei é muito legal, apesar de eu não conhecê-la muito bem…". Com uma descrição que se inicia dessa maneira, independente do desfecho, não há como ter vontade de levantar para receber o presente. Até porque você vai ter que abri-lo no meio da roda e, provavelmente, ter de fingir que gostou.

Certa vez presenciei uma amiga receber uma declaração de amor, com buquê de flores e tudo. Quando percebeu que o negócio era com ela, foi ficando vermelha de um jeito que achei que ela iria morrer. O sentimento do rapaz não era correspondido e ele sabia disso, então por que se submeter a essa humilhação pública ao melhor estilo "namoro na TV"? O pior foi o silêncio pós-declaração. Isso sim é o que eu chamo de surpresa!

Assim como os nomes - amigo oculto, amigo secreto e amigo X (me juraram que no Espírito Santo se chama assim) - também variam as formas de realizar a brincadeira. Eu sou a favor de sorteios diferentes para amigo e inimigo oculto. Durante a faculdade, participei de pelo menos dois amigos secretos que quase acabaram como o dos vikings.

Num deles, o namorado da colega não gostou da descrição que fizeram dela. O apelido "irmã-caminhoneiro" soou mal, ele pediu explicação, o casal brigou e foi embora. A festa acabou em seguida. No ano seguinte, um grande amigo meu deu de presente à colega uma coleira de cachorro, em alusão às gargantilhas que ela costumava usar. Parece que o namorado também não entendeu e chegou a rolar uma discussão, felizmente sem socos na cara.

Para quem vai participar do amigo oculto da turma esse ano, deixo um importante conselho: não tente ser diferente ou fazer surpresas, diga o que as pessoas querem ouvir, é mais seguro. Caso no ato do sorteio você sinta que não vai ter o que dizer sobre a pessoa na hora H, melhor do que improvisar é fingir que tirou o próprio nome e pedir para escolher outro.


por Bruno Medina

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