Augusto Lessa Dias atrás, durante o programa de Ciro Bezerra, A Cidade e Você, participei a seu pedido, aconselhando um livro de Richard Sennett chamado "A Corrosão do Caráter". Sennett, sociólogo de primeira linha do time norte-americano, tem seu nome marcado para sempre na história por causa de outro livro, clássico e referência na sociologia do século XX, "O Declínio do Homem Público". Na hora do bate-papo com o Ciro, eu dizia que o livro não era um lançamento, mas que, por sua atualidade, a editora Record mantinha-o sempre em catálogo e nas prateleiras das livrarias que se prezam (ao contrário da admirável Cia. Das Letras, que não reedita "O Declínio do Homem Público" há anos). Por que então recomendei "A Corrosão do Caráter"? Bom, em primeiro lugar, já é uma visão inicial de Sennett sobre o século XXI e suas inseguranças sociais, uma garantia de, pelo menos, sabedoria com responsabilidade. Sennett discute as constantes reviravoltas do capitalismo e as saídas achadas pelos picaretas de plantão para justificar as mais loucas estratégias administrativas das empresas. Reengenharias e outras patifarias encontradas por "consultores de empresas", título até hoje não esclarecido, como também observa Roberto Pompeu de Toledo (meus respeitos) em Veja desta semana, ao referir-se à nova profissão de Zé Dirceu. Nossas empresas, e refiro-me aqui exclusivamente ao Brasil, são verdadeiros jardins de infância no mundo corporativo (essa expressão e seu conceito moderno são estúpidos demais), todas sofrendo de um profundo "complexo de Peter Pan". Nos anos noventa, quando se iniciaram os processos de privatização, quando as empresas privadas tiveram de entender seu papel num "novo capitalismo", não entenderam nada. Uma horda de "consultores" invadiu nossas tribos empresariais cheia de fórmulas mágicas para revitalizar os processos de produção. Eram, principalmente, picaretas norte-americanos que, com esse título na bagagem, um discurso parecido com o lábia de pastor evangélico, encantaram empresários que se diziam astutos. Reengenharia, 4S, 6Z, Flexibilidade, e outras safadezas invadiram os departamentos de Recursos Humanos. O Plano Collor já havia feito dos nossos empresários figuras assustadas, tendentes a esconder sua grana sob colchões. Não podemos esconder: ainda somos bodegueiros vestindo a ultima moda, usando notebooks caríssimos, utilizando os celulares mais sofisticados do mundo. Essas maquininhas são aconselhadas pelos "consultores". Ora, o que eles deveriam aconselhar seria uma instrução escolar pelo menos mediana a esses homens, as noções de que curto, médio e longo prazos não são brincadeiras na implantação de uma empresa. Deveriam ter ensinado que Flexibilidade nada tinha a ver com o demite e admite funcionários de maneira indiscriminada; nada a ver com fechamento e abertura de filiais aqui, ali e acolá; nada tinha a ver com a remodelação de um sistema administrativo estruturado sobre bases podres. Com esses "consultores", a ganância varejista e senso bodegueiro de administração estavam fadando suas empreitadas ao esgoto. Os departamentos de Recursos Humanos com seus psicólogos e administradores trabalhando no modelo da Revolução Francesa eram feitores de Robespierres cotidianos. O homem (funcionário) passou a viver na insegurança e sob o terror da Flexibilização, que é, na verdade, unicamente a incapacidade de prever racionalmente às tendências de mercado e trabalhar honestamente sobre bases sólidas (não me interessa a carga de tributação: se você quer ser empresário sabe que ela é assim, e que tem de ser mudada pela Lei e não pela sonegação. Dizia mamãe: quem não pode com o pote não pega na rodilha). Flexibilização foi uma palavra inventada para definir incompetência e experimentalismo irresponsável, era e é, mais uma vez, o homem máquina, o homem parafuso, o homem "coisa nenhuma" na mão de doidos em busca dos seus trocados imediatos para sustentarem empreitadas particulares que nada têm a ver com o progresso econômico social. Enquanto o empresariado brasileiro não entender que seu funcionário não tem nenhuma obrigação de sustentar suas amantes e seus empreendimentos imobiliários, viveremos nesse feudalismo. Hoje em dia, mais uma vez o homem, empregado brasileiro, continua a ser desrespeitado e aprende a desrespeitar como troco. Agora, de forma muito pior: com o desrespeito patrocinado pelo homem e pelo partido que combateram isso por toda a vida (inúteis!). Sennett, a certa altura do seu "A Corrosão do Caráter" diz que "um regime que não oferece aos seres humanos motivos para se ligarem uns aos outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo". É isso o que ocorre com nossas empresas: ofertam-nos migalhas para uma produção sadia e competitiva. Mas, o saudável Bill Clinton, diz em seu livro de memórias que "qualquer emprego é melhor do que nenhum emprego". Não, Mr. Clinton, não é não. Um emprego é uma ocupação muito mais sagrada do que uma agregação a uma religião. Um emprego é uma base para uma família, que – mesmo sendo velho o que digo – é uma base para a sociedade. Se a família se estraga, se corrompe e se corrói, se seus elementos não têm caráter definido, a sociedade também não tem. Desse modo, não tem o País nem o planeta em que ele está fincado. Termino não com um político nem com um sociólogo, mas com um poeta. Gonzaguinha: "sem o seu trabalho o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata".
Comments (0)
Postar um comentário