ALGUMAS PERGUNTAS À BEIRA DE UM NOVO ANO Augusto Lessa Difamar alguém é, muitas vezes, transferir para outra pessoa a imundície que temos dentro de nós. Você já notou como é divertido ver a topada alheia? Você mesmo, tenho certeza, morre de rir ao ver alguém cair de uma cadeira, tropeçar numa pedra e desabar num chão imundo. Não é divertido imitarmos um coxo? E como nos dobramos de rir ao constatarmos que alguém ao nosso lado gaguejou ou cometeu uma gafe! Enquanto tivermos como prumo a frase que diz que "o que é ruim é da conta de todo mundo", o mundo vai estar um pouquinho mais complicado. Em primeiro lugar, temos de ver que "o que é ruim" é, muitas vezes, relativo, conceitualmente vago, ou tem instâncias outras para o julgamento que não o meu ou seu. Se o que é ruim é da conta de todo mundo, é bom começarmos a olhar para o que nós mesmos andamos fazendo nas últimas 24 horas. Lembre-se: somos o outro dos outros. Se casados, dormimos em nossa casa? Dormimos com a pessoa com a qual temos um compromisso de lealdade? O nosso "te amo" foi para essa pessoa, ou para uma outra, que não temos tutano suficiente para assumirmos e terminarmos a farsa de um casamento falido? Prejuízo para todos, principalmente para os filhos – se os temos. Se solteiros, estamos a conquistar alguém livre, desimpedido, com maturidade suficiente para suportar as nossas neuroses? Ou estamos a cercar menininhas ou menininhos mal saídos dos cueiros – ato que achamos tão feio nos outros, e sobre os quais atiramos tanto nossas pedras? Se patrões, temos certezas de que, mesmo injustos, pagamos todos os nossos impostos? Cuidado: injusto é uma coisa, ilegal é outra. Não pagarmos um imposto que está na Lei porque o consideramos injusto não nos faz justos. Nem nos torna moralmente isentos de corrupção. É roubo do mesmo jeito. Há instâncias para recorrermos disso além de nossa soberba vontade própria. E nossos funcionários estão pagos? Bem pagos? Se não estão, não cobrem bons serviços. Você não os merece. É o que é. Um carro só roda com a capacidade de gasolina que tem em seu tanque. E comparo um funcionário a um objeto porque é assim que nossa sociedade de hiperconsumo nos ensinou a vê-los e como tratá-los. Se colegas, nosso bom-dia é só educação ou um voto verdadeiro? Aquele camarada lá no fundo da sala, calado, é somente esquisito, ou está passando por algum drama que não conhecemos? Isso não te abala? E aquele "comentário construtivo" sobre fulano, que fizemos ao nosso chefe, não foi uma coisa chamada "entregação"? Não estamos mesmo é com inveja desse fulano? Não estamos mesmo é planejando um complô safado para vê-lo pelas costas, dar-lhe a velha e famosa rasteira? Se filhos, já paramos para ver a gama de humilhações, terrores, vergonha que os nossos pais passaram ou passam por nós? Temos certeza de que a juventude é eterna. Não é não, meus amores. Quando vemos, já é ontem. E nossos "velhos", ali calados, já comeram o pão que o diabo amassou para que andássemos com a calcinha de marca, o tênis do carinha da novela, freqüentando o barzinho da moda. E eles, nossos "velhos"? Bah! Que se danem! Afinal, você não pediu pra nascer, não foi? Pois é por isso mesmo, bacana, que você deveria olhar com um pouquinho mais de respeito. A sua preciosa existência, garoto ou garota, dependeu deles, por mais humildes, ignorantes, rudes e pobres que eles sejam. Sem seus pais, vocês não estariam lendo isto. Dá pra entender? A propósito, não sou professor de nada. Não compreendo nada. Não sei de nada. Tudo o que estou fazendo por aqui, há 56 anos, é andar por aí, sem eira nem beira, tentando ser a coisa mais difícil, complicada e arriscada do mundo: ser humano.
Numa festa, nosso comportamento é sempre o mais digno, enquanto o do outro está sempre na nossa mira.
"Foi o pão que o diabo amassou", e Lessa assou.
Abraços
"Foi o pão que o diabo amassou", e Lessa assou.
Abraços
*Diabo