*Augusto Lessa
Faz muito tempo que se questionam influências deste ou daquele veículo de comunicação no aumento do crime. Duvidar disso é duvidar da própria essência desses veículos. O surgimento do merchandising, e sua consolidação como a mídia mais eficiente são provas dos nove para esse assunto. Se Sharon Stone estivesse com uma garrafa de Coca-Cola na mão na hora em que cruzou as pernas em Instinto Fatal (Basic Instinct) a água mineral teria sido extinta do mundo. A bola Wilson, companheira do imbecilizado Tom Hanks naquele trágico filme Náufrago (Cast Away), faturou milhares de dólares após o filme. E, saibam, grande numero das pessoas que compraram as bolas, compraram-nas para torná-las suas companheiras de solidão.
"Tropa de Elite", antes de ir aos cinemas, já tinha sido visto por mais de um milhão de pessoas. Muitos se preocuparam com as crianças presenciando tamanha violência. Tratados e mais tratados sociológicos, filosóficos, antropológicos, foram feitos sobre o filme. Houve uma grita querendo enquadrar o filme. Direitista? Esquerdista? O filósofo francês Michel Foucault foi revisto em todos os ângulos, por ter sido citado pela estudantada consumidora das drogas do filme "Tropa de Elite". Foi truculência dos roteiristas terem posto Foucault no debate. Ele pode ser descartado como excelência por qualquer garoto do ensino fundamental europeu.
A mim, nada disso preocupou. Não morri de amores pelo filme. É bem feito em termos técnicos. Aliás, perigosamente bem feito em termos técnicos. Mas, nem era o mau exemplo às criancinhas, nem era Foucault, nem era o consumidor das drogas, nem era a imagem ruim do Brasil no exterior que me preocupava. Preocupavam-me os policiais que estariam assistindo ao "Tropa de Elite". O filme é demasiado confuso para ser conclusivo. Não é nada claro em sua proposta temática, ideológica, ao grande público – leia-se: o público intelectualmente analfabeto.
E é aí, nessa faixa, que está o policial médio brasileiro, gostemos ou não. Uma coisa é filosofar confortavelmente sobre o filme, outra é ver a Coca-Cola na mão se Sharon Stone que "Tropa de Elite" representa para um policial. Da frente de um televisor que exibia a cópia pirata a um policial (já isso um crime) saiu muito Capitão Nascimento. Das salas de cinema, tenho certeza de que milhares de policiais sentiram-se com uma vontade danada de gritar no ouvido do próximo bandido que encontrasse "cala a boca, maconheiro filho da puta". E Bang, Bang !!!
O filme não deixa claro para ninguém que, mesmo contra bandidos, matar daquele modo é CRIME, é abuso de autoridade, é judicialmente indefensável. Não, não fica claro. A discussão em níveis elevados fica só para acadêmicos. O povão que viu o filme está confuso, e muitos têm certeza de que o BOPE é uma coisa maravilhosa. Principalmente os sub-BOPEs. Entendam: quem viu a sangueira do "Tropa de Elite" não estava estabelecendo uma relação de analogia com os distantes assassinatos dos inverossímeis policiais norte-americanos.
Bom, um garoto de 13 anos foi brutalmente espancado e morto por policiais militares no Recife. Claro que isso não é uma grande novidade. Nem constitui novidade meninos de 13 anos bandidos, nem é novidade policial espancando gente. Mas, até onde se sabe, até agora, o garoto de 13 anos espancado e morto não era bandido. Há muita "apuração" em torno do caso. Vai haver mais. E querem apostar que não vai acontecer nada? Até agora o garoto aparece sendo totalmente isento de qualquer envolvimento com a confusão que gerou a sua morte.
Até agora Denis Henrique Francisco dos Santos estava apenas próximo a uma briga que começou num ensaio de bloco carnavalesco, quando os "capitães Nascimento" começaram a agir. Não me digam que eu não tenho como provar que esses policiais não viram "Tropa de Elite". Não venham com lenga-lenga de que policial não deve nem pode tratar bandidos com bons modos. Não me venham com discursos sociológicos, antropológicos, filosóficos, sobre a humanidade dos policiais e a truculência dos bandidos. E com aquela frescura de que jornalista só defende os direitos humanos dos bandidos. Ora, vai...
"Tropa de Elite" pode não ter nada diretamente com a brutalidade policial e a morte do garoto Denis. Até porque ela é lendária neste país. Mas essa brutalidade agora está mais apurada, mais apoiada, mais garantida, até intelectualmente. Os "capitães Nascimento" estão a cada dia gritando mais alto pelos seus comandados, humilhando publicamente cidadãos brasileiros. Tudo pela mão de uma tropa que entendeu tudo pelo avesso. E tudo sob o olhar compreensivo de uma população que entendeu uma "mensagem" totalmente pelo avesso. Ou nem tanto...
Denis está morto aos 13 anos. Morto a pauladas. Mesmo que ele fosse bandido, mesmo que ele fosse o mais cruel dos bandidos, mesmo que ele fosse a besta-fera, ele teria de ter assegurados os direitos de cidadão brasileiro, o direito de não ser espancado e torturado como bicho. Não me interessam novas leituras sobre o posicionamento da ação policial. Não me interessa, neste momento, se a burguesia é ou não culpada pelo consumo da droga, pelo tráfico, pela compra e venda de armas. Interessa-me, sim, ver garantidos os direitos do homem adquiridos via Justiça. Sem exceção, sem relativismos.
Só há um fato, e ele é: Denis Henrique Francisco dos Santos, de 13 anos, foi morto a pauladas por policiais militares na frente de seus familiares, sem nenhuma condição de defesa. Foi morto por funcionários meus e seus na área de segurança. Não conheço país que possua tantas leis como o Brasil. Ao mesmo tempo, não conheço um país que nunca teve, não tem, e dificilmente terá a mais elementar noção de Justiça.
*Augusto Lessa é do Núcleo de Produção da TV Estação/Recife
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