JOGUEM FORA OS LIVROS DE HISTÓRIA

0

Posted by Ciro Bezerra | Posted on domingo, 16 de dezembro de 2007


*Augusto Lessa

Que mais um grego frustrado como eu pode querer numa tarde de sábado? Três pedidos de adolescentes: livros sobre a real história contemporânea dos EEUU. Tem nome saindo pelo ladrão, mas tudo acadêmico em quem não confio. Essa gentinha cheia de títulos e teses, uma cada vez mais obscura que a outra. Resultado: não se entende nada. Ou entende-se o que eles desejam: que os EEUU têm algum valor cultural no mundo, no nível de uma Europa. Era só o que faltava.

O que sinto por aquela terra, antes e depois do 11 se setembro, é o mesmo que senti quando estive no Museu de Cera de Madame Tussauds. Terror infantil do modo absurdo como descreve A. Alvarez em “Noite”. Umberto Eco, apesar do pedantismo, não exagerou em demasia na sua “Viagem à Irrealidade Cotidiana”.

O que dizer aos meninos? Leiam Chomsky? Mesmo tendo sido considerado um dos maiores intelectuais do século XX, é um Almir Sader vertebrado, com neurônios e documentos em dia. Ah, Chomsky é honesto. Quase esqueço. Não admito sacanagens contra garotos, sob nenhuma hipótese, principalmente a intelectual. Então, o que dizer?

Bom, sem saudosismo, mas pedi que fizessem como eu fiz. Esqueçam os ensaios, os antropólogos, sociólogos, New York Times e correlatos e vão aos que sabem tudo. Os romancistas. Loucura? De maneira nenhuma. Afinal, Balzac, Proust, Flaubert, Tolstoi, Dickens, Machado e Dostoievski são só romancistas? E George Elliot? Cuidado com a resposta. Há mais história neles todos do que em todo o bestialógico que foi escrito pelos historiadores atuais e da própria época.

Hoje em dia, então...

Me responda: Chomsky, com todo o louvor pelas suas tentativas, vai ser lembrado e lido mais do que Roth, DeLillo, Updike, Pynchon? Não há hesitação. Enquanto os EEUU são intransitáveis em todos os sentidos, impraticável de manter algo semelhante ao que o mais bárbaro huno chamaria de “civilizado”, a sua turma de romancistas é imbatível. Pra mim era Nobel todo ano. Mas Nobel tem tanta força moral quanto os profissionais eleitos pelo voto público residentes na capital deste país.

Na minha adolescência, com o Vietnam e tal, foi Baldwyn quem primeiro me mostrou o que era aquela sua terra por vários ângulos. Go Tell It On The Moutain, Another Country, Everybody’s Protest Novel e, por que não, o Giovanni’s Room? Baldwyn negro, homossexual, pobre, desceu a lenha em todo o status norte-americano, da guerra imunda contra os asiáticos a obscenidade do preconceito contra a sua raça. Norman Mailer, Henry Miller, e os anteriores Faulkner, Hemingway, Fitzgerald, S. Lewis, Tennessee. Chega. Tem muito mais. Nenhum desses, e os não citados, passou a mão na cabeça dos EEUU compreendendo-o para perdoá-lo ou abençoá-lo. E, como lá existe liberdade de expressão mesmo, ninguém cai matando. A história da verdadeira América e sua cultura está em cada página de cada um deles.

Para hoje, temos um time que, ao contrário de ficar devendo, junta-se àquele, e traça o maior painel literário de toda a história da humanidade. Por favor, meninos, leiam A Pastoral Americana, de Roth, e, aproveitando enquanto ele está vivo, orgulhem-se de contracenar num planeta onde ainda mora um carinha desses. DeLillo, desde o seu sufocante Submundo, passando pelo Ruído Branco até Falling Man, é uma das coisas que a gente usa ao invés de Prozac, quando acha que a vida não tem mais sentido. Pynchon, com seu gênero Grega Garbo, mesmo que não tivesse escrito nada além do Arco Íris da Gravidade, estaria tomando café com Joyce e Proust. Updike e todos os seus Coelhos nos ensinam sobre os EEUU mais do que qualquer antropólogo formando em qualquer uma de suas fabulosas faculdadezinhas.

Nenhum deles perdoa nada. Por nenhum deles escapa toda a indecência, fragilidade, idiotice, esquizofrenia e os outros males que, sabe-se lá por quê, não fazem aquilo afundar de vez. Não usem livros didáticos ou qualquer tratado sociológico ou outra estupidez acadêmica para entender os EEUU. Leiam esses romancistas.

Garanto-lhes uma coisa: ao contrário de nós, eles não têm medo ou ufanismo ou descaramento para dizer que aquilo é decente, bonito, moderno, e, pior, que vai dar tudo certo no fim. É que mesmo sendo norte-americanos, esses escritores têm cultura, decência e vergonha na cara.

* Augusto Lessa é produtor na Tv estação

Comments (0)