Lembranças de Aparecido

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Posted by Ciro Bezerra | Posted on terça-feira, 23 de outubro de 2007


BELO HORIZONTE - Tomando uma cerveja na varanda da república, na tarde de sábado, ele olhou para mim com pena, mas não me enganou: - Lá no jornal você não vai arranjar emprego. Apesar de ser um jornal do comércio, o dono, o Zé Costa, ótimo sujeito, é um comunista sem dinheiro.

Era uma república de jornalistas udenistas, como Euro Arantes, que depois criou "O Binômio" com José Maria Rabelo. Eu estava chegando aqui a Belo Horizonte, em 52, com 20 anos, e desempregado. Apenas três anos mais velho do que eu, Aparecido já era um fenômeno de liderança e precocidade.

Redator político do "Informador Comercial" de um comunista, da Rádio Inconfidência do governo do Estado, e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, era ainda assessor do secretário da Agricultura Américo René Gianetti, depois prefeito de Belo Horizonte e avô desses brilhantes rapazes Gianetti da Fonseca, estranhos teólogos de bancos na televisão.

O filho

O pai havia morrido muito jovem, de desastre, e ele, filho mais velho, terminou o ginasial no internato do Colégio Arquidiocesano de Ouro Preto e, ainda menor de idade, veio para Belo Horizonte trabalhar e garantir a família. Líder no Sindicato dos Jornalistas e na Asssociação Mineira de Imprensa, logo se tornou também o mais influente dirigente jovem da poderosa UDN mineira.

Em 50, a UDN sangrava nas entranhas no fim do governo Dutra:

a metade queria uma aliança com o PSD para enfrentar Getulio, a outra metade queria o brigadeiro Eduardo Gomes de novo. Nesta TRIBUNA DA IMPRENSA, Lacerda bombardeava todos os dias a candidatura do brigadeiro, mostrando, aliás com razão, que o brigadeiro ia perder e Vargas voltaria.

O líder

Prado Kelly foi mandato a Belo Horizonte para conversar com o governador Milton Campos e ver se encontravam uma saída que não arrebentasse o partido. Em Minas, um grupo de jovens, comandados por José Aparecido, criara o Movimento Popular Eduardo Gomes, com sede e tudo. Esperaram Prado Kelly no palácio. Aparecido era porta-voz: - Dr. Prado Kelly, sabemos de sua missão e estamos conscientes de que o governador Milton Campos e o senhor tentam uma fórmula que una o partido. Mas, se nós o convidarmos para ir até a sede do Movimento Popular pelo brigadeiro, o senhor irá?

- Se me convidarem, irei. Mas espero que não me convidem.

O brigadeiro foi o candidato, Getulio ganhou no País e a UDN ainda perdeu o governo de Minas para Juscelino. Em 1953, a UDN fundou o "Correio do Dia" para resistir em Minas. O editor político era Aparecido, com 24 anos, que arranjava tempo para presidir a Associação Mineira de Imprensa e representar o Brasil no Chile, no Congresso Mundial de Jornalistas.

O coerente

A imprensa contou, fartamente, a carreira política vertiginosa que ele exerceu, a partir de 60, desde a coordenação da campanha de Jânio Quadros e secretário particular dele na presidência da República, e depois governador de Brasília, ministro da Cultura, embaixador em Portugal, sempre numa ação política que ele cumpria com toda a veemência de sua coerente ação política.

Em plena campanha, Jânio estava indo para um comício em Manaus, com Virgilio Távora, do Ceará, Aparecido, os deputados da UDN Seixas Doria, de Sergipe, Ferro Costa, do Pará, e Adahil Barreto, do Ceará, da Frente Parlamentar Nacionalista, e outros. E lhes comunicou que no discurso ia defender o fim do monopólio estatal do petróleo.

Imediatamente, Aparecido, Seixas Doria, Ferro Costa e Adahil lhe disseram que, na escala do avião em Belém, abandonariam a comitiva e a campanha. Jânio, apavorado, teve que recuar. Não por acaso, no AI-1 de 9 de abril de 64, imediatamente após o golpe militar, Aparecido, Ferro Costa e Adahil foram os três únicos udenistas postos na primeira lista dos 100 cassados. E Seixas Doria logo depois. 1964 foi nosso Iraque, sem Bush, sem Saddam e sem bombas.

O amigo

Na Câmara, eleito em 62 com uma das maiores votações que Minas já viu, Aparecido articulou a Bossa Nova da UDN e a CPI do Ibad. Pedro Aleixo era o líder da UDN. Aparecido comandava a Comissão Parlamentar de Inquérito contra o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), um Mensalão multinacional em dólar que financiou centenas de candidatos ao Senado e à Camara nas eleições de 62 e elegeu uma bancada imensa.

Pedro Aleixo, a garganta rouca e olheiras de túnel, chama Aparecido: - O Adauto Cardoso me disse que você não vai à reunião da bancada amanhã. Por quê? - Não vou discutir o Ibad com o Amaral Neto, que é o próprio Ibad. - Você me desculpe, Aparecido, mas tenho idade para lhe ensinar alguma coisa. Se nós pudéssemos, além de escolher os amigos, escolher também os inimigos, acabaríamos no paraíso terrestre.

Neste meio século, nenhum mineiro reunia tantos amigos quanto o Aparecido, que, inconsoláveis, levamos para sua Conceição do Mato Dentro.

Do Jornalista Sebastião Nery

Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro


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